Finalmente sentei pra
escrever como foi o parto do Benjamim. Já faz quase 6 meses e daqui a pouco já
preciso escrever outro relato, o sobre a amamentação exclusiva em livre demanda!
Tinha ficado triste por
não conseguir fazer o relato próximo ao parto com as memórias ainda frescas.
Mas hoje me dei conta que todos os detalhes ficaram pra trás e só restou o que
realmente me marcou. E o mais interessante é que não lembro da dor.
Em 6 de maio, um dia após o parto, a força e a dor da fase
expulsiva, não saiam da minha cabeça. Lembro de ter considerado: ‘será que
encararia outro parto sem analgesia se tivesse outro filho?’ Mas passados uns
dois dias, eu já estava completamente “esquecida” e disse pra Ana que se
tivéssemos outro neném, o parto seria novamente aqui em casa. “Claro, por que
não?”, acrescentei.
Sobre essa questão (que para a maioria das pessoas é A
questão) posso dizer que, como todo mundo já sabe, parir dói, e muito. Mas
seria necessário inventar outra palavra porque “dor” não dá conta do recado. A
nova palavra deveria denotar muito além do que vem escrito no dicionário
Aurélio: “sensação desagradável, variável em intensidade e em extensão de
localização, produzida pela estimulação de terminações nervosas especializadas
em sua recepção”. Acrescentaria muitos outros significados como empoderamento,
transe, força, esforço intenso, comunhão, entrega, rito de passagem, e até, por
que não, prazer.
Estava com 41 semanas e 5 ou 6 dias. Ou seja, já nos 45
minutos do 2º tempo do jogo (seguindo o padrão da minha gestação aos 43 anos,
Benjamim nasceu e eu tenho 44!!!). No final da 40ª semana, comecei a fazer
alguns procedimentos alternativos para estimular o trabalho de parto. E eu
brincava com meus alunos que o neném ia nascer no meu estúdio no final de uma das
minhas aulas de yoga (continuei dando aulas até a última semana).
Das “medidas alternativas”, a 1ª e crucial desencadeou-se a
partir de uma conversa com a Betina Bittar, minha obstetra-parteira-xamã, que
me chamou na chincha dizendo que se eu quisesse mesmo tentar o parto domiciliar
precisaria começar o trabalho de parto espontaneamente e que estava tudo certo
com o neném, ele estava saudável, a termo, prontinho pra nascer. A pergunta
era: será que a nova mãe estava pronta pra vir à luz? "Talvez ainda não", respondi. Minha
gravidez foi deliciosa e eu estava superapegada àquela barrigona... Caiu a
ficha, fui para casa e tive uma “conversinha” com o neném, pedi a ajuda dele e
me comprometi a ajuda-lo também. Conversei comigo também, não dava mais para
adiar e a nova jornada tinha que começar.
É muito louco porque fiquei tanto tempo esperando e me
preparando pra engravidar... Foram 3 anos e meio de tratamento com algumas
tentativas de inseminação artificial e FIV (in vitro) e durante esse tempo foquei todas as minhas energias em ficar grávida e não pensava muito em quando
o neném nasceria. Durante a gestação, li bastante sobre o parto, fui estudar e
me informar sobre as praticas de partos humanizadas, mas a gravidez ainda parecia
um sonho bem gostoso, daqueles que a gente não quer acordar.
Já fazia umas 3 semanas que estava praticando uma sequência
de posturas de yoga especialmente preparada para o último mês da gestação e
que, segundo o boato, lá na França, no estúdio da professora que criou a
sequencia, muitas alunas saiam direto dessa aula pro hospital para ter o neném.
Na semana seguinte às conversas definitivas (com o neném e
comigo mesma), passei por sessões de acupuntura e monitoramento das condições
do baby dia sim, dia não, e consultas diárias; a Betina fez umas manobras para “descolar”
minha placenta, e até apelei tomando óleo de rícino.
Na 4ª feira, dia 4, quando tudo parecia não funcionar
efetivamente, tomei uma “vitamina-bomba” com óleo, mamão, linhaça + tudo o que
solta o intestino pra ver se a estimulação dos movimentos peristálticos
despertava as contrações uterinas.
Funcionou, um pouco, mas lá pelas 19h, as contrações foram
diminuindo e nessa noite fui dormir desanimada pensando que no dia seguinte
teria que recomeçar tudo de novo e que meu prazo estava se esgotando (se a
gestação passasse das 42 semanas, eu iria me internar no hospital para
estimular as contrações com ocitocina sintética, levando por terra o sonho do
parto natural em casa).
Felizmente, estava enganada! Às 4 da manhã do dia 5 de maio,
acordei com cólica, uma cólica forte, e na hora percebi que o meu trabalho de
parto tinha começado. Até então tinha dúvidas se saberia quando o trabalho de
parto de fato começou, mas no meu caso, não podia ser outra coisa. Aquela
“cólica” era diferente de tudo que já tinha sentido anteriormente.
Faço uma pausa aqui para limpar meus olhos que estão cheios
de água. Fiquei tão feliz quando senti que o trabalho de parto estava começando,
em casa, naturalmente! O Benjamim está brincando no colo da outra mãe dele, a
Ana, e é impossível não parar um pouco pra rir junto com eles.
De volta ao relato: em seguida, acordei a Ana e ela ligou
para a Mari Amoroso (que sobrenome mais lindo, especialmente para uma doula!),
que já se pôs a caminho e me aconselhou a entrar no chuveiro bem quentinho.
Nesse ponto, já
estava tudo muito confuso. Eu já tinha entrado na “partolândia”, em um estado
alterado de consciência. E o mais legal é que eu não tinha tomado nada, nenhuma
droga, e estava completamente consciente: era eu mesma ali em contato com a
natureza mais instintiva; era eu mesma ali correndo com os lobos! O tempo já
estava diferente, e o espaço também. Nesses poucos metros quadrados do meu
quarto, banheiro e hall já cabia todo o universo, todo o mistério da vida e toda
a energia infinita do amor. Eu estava prestes a parir!
A Ana, sempre presente ao meu lado, me ajudou a sentar com
bastante dificuldade no chão do box e me lembro da sensação da água quente que
escorria pelas minhas costas. Uma delicia!
A Mari chegou às 6h e ligou pra Betina que chegou lá pelas
9h (foi o que me contaram no dia seguinte) para uma primeira avaliação. Não sei
como estava minha dilatação, mas a Betina decidiu ficar.
Lembro da pressão que as mãos delas faziam contendo a minha
bacia que parecia que iria romper-se quando vinham as contrações, da água
quente escorrendo pelas minhas costas enquanto eu sentava no vaso sanitário e
do alivio que ela trazia, lembro da voz doce da Betina dizendo que tudo estava
bem e que eu também estava me saindo muito bem enquanto monitorava os
batimentos cardíacos do bebe. Lembro da Ana ali comigo segurando minhas mãos
compartilhando o silêncio durante as contrações e as risadas de alívio nos
intervalos. Lembro de ouvir conversas no andar de baixo, quando, uma a uma desceu
pra comer e eu ali sem fome nenhuma, nem sede, nem nada. Em certo momento, a
Mari me trouxe mel e foi delicioso dar umas colheradas em algo tão doce e
cremoso.
Lembro dos meus gemidos do início, bem graves pra soltar o
maxilar e a bacia. Lembro dos gemidos que foram virando gritos e que no final eram
os berros mais altos e profundos do mundo. E assim o tempo foi passando, o sol,
andando no céu, foi manchando o quarto com diferentes sombras e eu balançando
pra lá e pra cá na bola de pilates.
Em dado momento, com o trabalho de parto bem adiantado,
fiquei sabendo que a cabecinha do neném não estava na posição de descida e que
talvez precisasse de um pouco mais de tempo. Bateu um desespero porque lembrei
do parto de uma amiga que durou mais de 30 horas porque o neném estava com a
cabeça mal posicionada. Achei que aconteceria comigo a mesma coisa e, à aquela altura eu já
estava completamente exausta. A Mari me acalmou dizendo que o
parto da minha amiga era o dela e que estávamos no meu. E essas
palavras foram suficientes pra que eu seguisse em frente com calma. Li tanta
coisa sobre parto e tantos relatos, todos tão singulares, e nada podia
descrever o que estava acontecendo ali, no meu. Pra ajudar o Benjamim a se
posicionar, eu agachava quando começava a contração e nos intervalos, dançava
calminha rebolando. Em uma dessas descidas pra posição de cócoras, acho que
minha bolsa estourou, mas não foi aquela aguaceira toda, só um pouco de líquido translúcido.
Tem um hiato de memória aqui e já me vejo no hall sentada no
banquinho de parto que a Betina trouxe. Compramos uma banheira de parto umas
semanas antes, mas acabamos nem montando. Eu ia precisar fazer bastante força
no expulsivo e o banquinho era o ideal. A Ana ficou sentada atrás de mim e me
ajudava a fazer a báscula da bacia. Eu estava tão dolorida e pesada que não
conseguia mover minha pelve sozinha. Então, lá estava a Ana parindo juntinho de mim. Foi muita força que tive que fazer. Muito mais do que pensei ser capaz.
Lembro da Betina dizendo pra eu só fazer força durantes as
contrações fortes para não gastar minhas energias desnecessariamente, lembro de
olhar pro espelhinho no chão entre minhas pernas e de quase não acreditar que o
que eu via era o cabelinho do Benjamim, lembro de gritar sem deixar o som sair
para ser mais forte, lembro de fazer muita, mas muita força empurrando os pés
no chão, lembro de sentir o corpinho do neném passando no canal vaginal e lembro
da Betina dizendo pra eu fazer só mais uma força. Finalmente ouvi bem baixinho, como se eu estivesse longe dali, que a cabecinha
tinha saído! Estava tão exausta e achei que precisaria fazer mais uma força
para que os ombros também saíssem, mas em um piscar de olhos estava com meu
filho no colo.
Ele nasceu chorando muito, pra alegria do Ricardo Coutinho,
o pediatra que tinha chegado há pouco. Meu filhinho chorando nos meus braços,
coberto com fraldinhas quentes, todo lambuzado, tão lindo! Ele custou a abrir
os olhos, só um pouco mais tarde quando parou de chorar e olhou pra gente, pra
mim e pra Ana que também chorava muito. Eu, em estado de choque, não sentia
mais dor nenhuma, desconforto nenhum. Só sentia o calor do bebe em meus braços,
uma sensação de missão cumprida e muita admiração por aquele bebezinho tão lindo
e forte que acabara de vir à luz!
Depois de um tempo, que não faço a menor ideia de quanto, me
levaram pra minha cama no quarto ao lado. Acho que me carregaram no colo com o
Benjamim ligado a mim, ainda com o cordão umbilical pulsando. Ficamos ainda um
tempão na cama unidos pelo cordão. Era tanta alegria, tanto amor! Mais tarde, a Betina veio
checar se a placenta já estava solta e senti ela saindo sem esforço nenhum. A
Ana cortou o cordão umbilical, que já não pulsava mais, com um bisturi.
No hall, eu acho, a Mari e a Ana fizeram prints da placenta
e eu pedi pra comer um pouco dela. Há mais de 15 anos sou vegetariana, mas
senti que precisaria comer ao menos um pedacinho desse órgão tão maravilhoso
que nutriu meu bebe durante a gestação e que já não tinha função alguma. Senti
que precisava, tanto daquela dose extra de ferro, quanto de encerrar aquele
ritual comendo carne crua. Afinal eu era a loba selvagem que tinha acabado de
dar à luz!
Algumas outras curiosidades:
Não tive nenhuma laceração no períneo durante o parto. Me preparei fazendo Epi-no e massagem
perineal diariamente a partir da 32ª semana sob indicação da fisioterapeuta e
educadora perineal Thati Menendez.
O Benjamim não pegou o peito de cara e a consultora em
aleitamento materno Fabíola Cassab, fundadora do Matrice - Ação de Apoio à
Amamentação, veio em casa no dia seguinte ao nascimento e com toda a paciência
e amor do mundo nos ajudou me ensinando a pega correta e me fazendo compreender
os bloqueios que estavam me atrapalhando no processo. Hoje o Benjamim mama no
peito exclusivamente e em demanda livre (o que nos deixa muito felizes e eu
extremamente realizada!). Não oferecemos chupeta pra ele, nem nenhum outro tipo
de bico artificial.
A partir dos 3 meses, decidimos dormir em cama compartilhada
e tem sido maravilhoso! Agora, o Benjamim mama muito mais à noite e eu e a Ana dormimos
muito melhor. Fora que é delicioso estar pertinho dele a noite toda!
fotos Mariana Amoroso (exceto a última que foi a Ana quem tirou)
Sinto muita gratidão e carinho pela equipe: Betina Bittar,
Mariana Amoroso e Ricardo Coutinho.
Os agradecimentos especiais vão à Mari, principalmente por me incentivar a correr atrás do meu sonho de ter meu bebe em
casa, e à Betina por torna-lo possível. Tenho plena certeza que o Benjamim
também agradece por ter sido recebido de maneira tão amorosa aqui
na casa dele.