palavras do Guruji

viagens pelo mundo afora e pelo universo dentro de mim


"Você não precisa viajar a um lugar remoto para buscar a liberdade; ela habita seu corpo, seu coração, sua mente, sua Alma. A emancipação iluminada, a liberdade, a pura e imaculada felicidade estão a sua espera, mas você precisa escolher embarcar na jornada interior para descobri-las."
B.K.S. Iyengar em Luz na Vida

8 de junho de 2015

Sobre macacos, Homo sapiens e iogues

Estou lendo um livro muito bom chamado “O Macaco Nu”, de Desmond Morris.


 capa da edição do livro que estou lendo

O capítulo introdutório começa assim: “Existem atualmente cento e noventa e três espécies de macacos e símios. Cento e noventa e duas delas têm o corpo coberto de pelos. A única exceção é um símio pelado que a si próprio se cognominou Homo sapiens. Esta insólita e próspera espécie passa grande parte do tempo a examinar as suas mais elevadas motivações, enquanto se aplica diligentemente a ignorar as motivações fundamentais. O bicho-homem orgulha-se de possuir o maior cérebro dentre todos os primatas, mas tenta esconder que tem igualmente o maior pênis, preferindo atribuir erradamente tal honra ao gorila. Trata-se de um símio com enormes qualidade vocais, agudo sentido de exploração e grande tendência a procriar, e já é mais do que tempo de examinarmos o seu comportamento básico.
Sou zoólogo e o macaco pelado é um animal. É, portanto, caça ao alcance da minha pena e recuso-me evitá-lo mais tempo, só porque algumas das suas normas de comportamento são bastante complexas e impressionantes.”

Como é que é Mr. Morris? De cara achei que o autor estava de brincadeira e que se tratava de uma ficção satírica sobre a espécie humana. Fui ler mais adiante nas páginas finais sobre o autor e sua obra e fiquei sabendo que ele falava sério, seríssimo. O renomado zoólogo inglês, dedicado ao estudo da evolução e do comportamento dos animais, publicou no final dos anos 1960, “The Naked Ape”, um verdadeiro estudo científico (lê-se, imparcial e baseado em pesquisas empíricas) do comportamento do ser humano moderno a partir da evolução da espécie desde seu ancestral mais distante, há cerca de vinte e cinco ou trinta milhões de anos, os primeiros pré-macacos que viviam sobre as árvores nas florestas fechadas. Uau! Pirei.

Os capítulos “Origens” e “Exploração” são particularmente geniais, mas você vai precisar descolar o livro em um sebo para ler mais.

Na semana passada revi as minhas anotações do último intensivo com os professores Corine e Jordi, que aconteceu em Abril na fazenda Maristela. Como logo em seguida, em Maio, também participei de mais dois outros cursos sensacionais com a alemã Rita Keller e com o indiano Raya Uma Datta ainda não tinha tido tempo de passar as notas a limpo nem de estudá-las.

Neste ano, nas aulas sobre os Yoga Sūtras de Patañjali com o prof. Jordi, estudamos o sutra II-33 e a relação dele com as oito partes do Astāga Yoga.

Edição em inglês do "Light on Yoga Sūtras of Patañjali"

Revendo as notas, encontrei uma pérola que — bingo! — tem tudo a ver com o livro “O Macaco Nu”: o astāga yoga de Patañjali (sūtra II.29) é uma ferramenta de evolução da espécie humana.

Tomemos como exemplo os yamas, 1º aspecto do astāga yoga que BKS Iyengar prefere referir-se como uma das oito pétalas do yoga que desabrocham todas ao mesmo tempo. Através da pratica dos cinco yamas (II.30) aprendemos a controlar os sentidos, modelando e regulando os movimentos da mente (citta vttis).

Com os yamas, purificamos os órgãos de ação (karmendriyas) para regular os movimentos da mente. Através do refinamento dos órgãos de ação, refinamos nossas ações e consequentemente, as atividades de nossas mentes.

Seguir os princípios éticos universais traz vários benefícios: eliminação dos instintos destrutivos; evolução interna; melhora do caráter para irmos a um estado superior de consciência e assim termos qualidade mais refinada de vida e de relacionamentos; e finalmente, conquista da integridade necessária para a pratica superior.

Yama, então, é um instrumento de refinamento dos órgãos de ação e é o ponto de partida para a elevação a outro nível vibratório das nossas consciência, pratica e relações com o mundo e com os outros.

Já a pratica de āsana e prāāyāma pode ser comparada a um processo de laboratório. Ao praticar āsana e prāāyāma, reproduzimos em um ambiente controlado e em escala individual, todo o processo de evolução da espécie humana, processo este que vem acontecendo há 10 ou 12 milhões de anos.

Desta forma, āsana e prāāyāma são instrumentos da evolução do ser humano e ao mesmo tempo, são o laboratório dessa evolução.

Voltamos ao sūtra II.33 (vitarkabādhane pratipakabhavānam). Segundo BKS Iyengar em “Light on Yoga Sūtras of Patanjali” a tradução desse sūtra é: “os princípios que vão contra os yamas e niyamas devem ser combatidos com o conhecimento da discriminação.” 

Para o Iyengar, nesse sūtra, Patañjali reforça a importância dos yama e niyama como parte do yoga. Nos sutras II.30 e II.32, Patañjali dita o que o sādhaka deve evitar e o que deve fazer. Já no II-33, o sādhaka é encorajado a: “cultivar um temperamento que resista a corrente de violência, falsidade, roubo etc (yamas), que é pratipaka (o lado oposto, o contrário) bhavānam (manifestar, criar, promover); e a ir com a corrente de limpeza, contentamento, fervor etc (demais niyamas), que é paka (a favor da corrente) bhavānam.”

Em seus comentários, BKS Iyengar vai além e leva o conceito de paka e de pratipaka aos demais membros do astāga yoga e afirma que “enquanto pratica āsana, o sādhaka deve cuidadosamente e a todo instante observar e ajustar a posição dos músculos, das fibras musculares e células, medindo a leveza ou o peso, paka ou pratipaka, como é necessário para a execução de um āsana saudável e bem equilibrado…”

Logo adiante diz que, “em prāāyāma, também, focamos a consciência nas várias vibrações dos nervos durante as inspirações e as exalações controladas, entre os lados direito e esquerdo dos pulmões e também entre as narinas direita e esquerda. Este ajuste e observação na pratica de yoga funde paka e pratipaka, liberando-nos dos levantes de raiva e depressão, que são substituídos por esperança e estabilidade.”

BKS Iyengar conclui que “o processo de medição e balanceamento interno é, em alguns aspectos, a chave do porque a pratica de yoga realmente funciona, e do porque a pratica tem o poder mecânico de revolucionar todo nosso ser. Esse é o motivo pelo qual āsana não é ginástica, pelo qual prāāyāma não é respiração profunda, pelo qual dhyāna não é transe auto induzido, e pelo qual yama não é apenas moralidade. No āsana, por exemplo, a postura primeiro traz equilíbrio interno e harmonia, mas no final ela é meramente a expressão externa da harmonia interna.”

Essa mistura de paka e pratipaka em todos os oito aspectos (astāga yoga) é o yoga verdadeiro.

Para concluir volto ao “O Macaco Nu”. Caso os antigos ṛṣis e yogis estejam corretos, daqui a alguns milhares de anos, o zoólogo do futuro que estiver atualizando o estudo sobre a evolução da espécie humana vai acrescer o capítulo IX à lista dos anteriores (I. Origens; II. Sexo; III. Crescimento; IV. Exploração; V. Agressão; VI. Alimentação; VII. Conforto; VIII. Animais). Este capítulo final da nossa evolução, se chamará, certamente, Yoga. E um subtítulo bem apropriado seria: da transcendência da individualidade à resolução de uma das maiores questões de nossa existência: o que nós, corporificados como macacos nus, realmente somos?


Sutras citados (segundo tradução de BKS Iyengar em “Light on Yoga Sutras de Patanjali”)

II.29 yama niyama āsana prāāyāma pratyāhāra dhāraā dhyāna samādhaya aṣṭau añgāni

Preceitos morais (yama), observâncias (niyama), postura (āsana), regulação da respiração (prāāyāma), internalização dos sentidos em direção à sua fonte (pratyāhāra), concentração (dhāraā), meditação (dhyāna) e absorção da consciência no Ser (samādhaya) são os oito constituintes do yoga.

II.30 ahisā satya asteya brahmacarya aparigrahā yamā

Não violência (ahisā), verdade (satya), abstenção de roubar (asteya), continência (brahmacarya) e ausência de ganancia em relação a possuir mais do que se necessita (aparigrahā) são os cinco pilares de yama.

II.32 śauca santoa tapa svādhyāya Īśvarapraidhānāmi niyamā

Limpeza (śauca), contentamento (santoa), fervor (tapaḥ), estudo do Ser (svādhyāya) e entrega ao Ser supremo ou Deus (Īśvarapraidhānāmi) são os niyamas.

II.33 vitarkabādhane pratipaabhāvanam
Os princípios que vão contra os yama e niyama devem ser combatidos com o conhecimento da discriminação.

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