Estou lendo um livro muito bom chamado “O Macaco Nu”, de Desmond Morris.
capa da edição do livro que estou lendo
O capítulo introdutório começa assim: “Existem atualmente cento e
noventa e três espécies de macacos e símios. Cento e noventa e duas delas têm o
corpo coberto de pelos. A única exceção é um símio pelado que a si próprio se
cognominou Homo sapiens. Esta insólita e próspera espécie passa grande parte do
tempo a examinar as suas mais elevadas motivações, enquanto se aplica
diligentemente a ignorar as motivações fundamentais. O bicho-homem orgulha-se
de possuir o maior cérebro dentre todos os primatas, mas tenta esconder que tem
igualmente o maior pênis, preferindo atribuir erradamente tal honra ao gorila.
Trata-se de um símio com enormes qualidade vocais, agudo sentido de exploração
e grande tendência a procriar, e já é mais do que tempo de examinarmos o seu
comportamento básico.
Sou zoólogo e o macaco pelado é um animal. É, portanto, caça ao
alcance da minha pena e recuso-me evitá-lo mais tempo, só porque algumas das
suas normas de comportamento são bastante complexas e impressionantes.”
Como é que é Mr. Morris? De cara achei que o autor estava de
brincadeira e que se tratava de uma ficção satírica sobre a espécie humana. Fui
ler mais adiante nas páginas finais sobre o autor e sua obra e fiquei sabendo
que ele falava sério, seríssimo. O renomado zoólogo inglês, dedicado ao estudo
da evolução e do comportamento dos animais, publicou no final dos anos 1960,
“The Naked Ape”, um verdadeiro estudo científico (lê-se, imparcial e baseado em
pesquisas empíricas) do comportamento do ser humano moderno a partir da
evolução da espécie desde seu ancestral mais distante, há cerca de vinte e
cinco ou trinta milhões de anos, os primeiros pré-macacos que viviam sobre as
árvores nas florestas fechadas. Uau! Pirei.
Os capítulos “Origens” e “Exploração” são particularmente geniais, mas
você vai precisar descolar o livro em um sebo para ler mais.
Na semana passada revi as minhas anotações do último intensivo com os
professores Corine e Jordi, que aconteceu em Abril na fazenda Maristela. Como
logo em seguida, em Maio, também participei de mais dois outros cursos
sensacionais com a alemã Rita Keller e com o indiano Raya Uma Datta ainda não
tinha tido tempo de passar as notas a limpo nem de estudá-las.
Neste ano, nas aulas sobre os Yoga Sūtras de Patañjali com o prof.
Jordi, estudamos o sutra II-33 e a relação dele com as oito partes do
Astāṅga Yoga.
Edição em inglês do "Light on Yoga Sūtras of Patañjali"
Revendo as notas, encontrei uma pérola que — bingo! — tem tudo a ver
com o livro “O Macaco Nu”: o astāṅga yoga de Patañjali
(sūtra II.29) é uma ferramenta de evolução da espécie humana.
Tomemos como exemplo os yamas, 1º aspecto do astāṅga yoga que BKS Iyengar prefere referir-se como
uma das oito pétalas do yoga que desabrocham todas ao mesmo tempo. Através da
pratica dos cinco yamas (II.30) aprendemos a controlar os sentidos, modelando e
regulando os movimentos da mente (citta vṛttis).
Com os yamas, purificamos os órgãos de ação (karmendriyas) para
regular os movimentos da mente. Através do refinamento dos órgãos de ação,
refinamos nossas ações e consequentemente, as atividades de nossas mentes.
Seguir os princípios éticos universais traz vários benefícios:
eliminação dos instintos destrutivos; evolução interna; melhora do caráter para
irmos a um estado superior de consciência e assim termos qualidade mais refinada de vida e de
relacionamentos; e finalmente, conquista da integridade
necessária para a pratica superior.
Yama, então, é um instrumento de refinamento dos órgãos de ação e é o
ponto de partida para a elevação a outro nível vibratório das nossas
consciência, pratica e relações com o mundo e com os outros.
Já a pratica de āsana e prāṇāyāma pode ser
comparada a um processo de laboratório. Ao praticar āsana e prāṇāyāma, reproduzimos em um ambiente controlado e
em escala individual, todo o processo de evolução da espécie humana, processo
este que vem acontecendo há 10 ou 12 milhões de anos.
Desta forma, āsana e prāṇāyāma são instrumentos
da evolução do ser humano e ao mesmo tempo, são o laboratório dessa evolução.
Voltamos ao sūtra II.33 (vitarkabādhane pratipakṣabhavānam). Segundo BKS Iyengar em “Light on Yoga Sūtras
of Patanjali” a tradução desse sūtra é: “os princípios que vão contra os yamas e niyamas
devem ser combatidos com o conhecimento da discriminação.”
Para o Iyengar, nesse sūtra, Patañjali reforça a importância dos yama e niyama como parte do yoga. Nos sutras II.30 e II.32, Patañjali dita o que o sādhaka deve evitar e o que deve fazer. Já no II-33, o sādhaka é encorajado a: “cultivar um temperamento que resista a corrente de violência, falsidade, roubo etc (yamas), que é pratipakṣa (o lado oposto, o contrário) bhavānam (manifestar, criar, promover); e a ir com a corrente de limpeza, contentamento, fervor etc (demais niyamas), que é pakṣa (a favor da corrente) bhavānam.”
Para o Iyengar, nesse sūtra, Patañjali reforça a importância dos yama e niyama como parte do yoga. Nos sutras II.30 e II.32, Patañjali dita o que o sādhaka deve evitar e o que deve fazer. Já no II-33, o sādhaka é encorajado a: “cultivar um temperamento que resista a corrente de violência, falsidade, roubo etc (yamas), que é pratipakṣa (o lado oposto, o contrário) bhavānam (manifestar, criar, promover); e a ir com a corrente de limpeza, contentamento, fervor etc (demais niyamas), que é pakṣa (a favor da corrente) bhavānam.”
Em seus comentários, BKS Iyengar vai além e leva o conceito de pakṣa e de pratipakṣa aos demais membros do astāṅga yoga e afirma que “enquanto pratica āsana, o
sādhaka deve cuidadosamente e a todo instante observar e ajustar a posição dos
músculos, das fibras musculares e células, medindo a leveza ou o peso, pakṣa ou pratipakṣa, como é necessário para a execução de um āsana saudável e bem
equilibrado…”
Logo adiante diz que, “em prāṇāyāma, também, focamos
a consciência nas várias vibrações dos nervos durante as inspirações e as
exalações controladas, entre os lados direito e esquerdo dos pulmões e também
entre as narinas direita e esquerda. Este ajuste e observação na pratica de
yoga funde pakṣa e pratipakṣa, liberando-nos dos levantes de raiva e
depressão, que são substituídos por esperança e estabilidade.”
BKS Iyengar conclui que “o processo de medição e balanceamento interno
é, em alguns aspectos, a chave do porque a pratica de yoga realmente funciona,
e do porque a pratica tem o poder mecânico de revolucionar todo nosso ser. Esse
é o motivo pelo qual āsana não é ginástica, pelo qual prāṇāyāma não é respiração profunda, pelo qual dhyāna
não é transe auto induzido, e pelo qual yama não é apenas moralidade. No āsana,
por exemplo, a postura primeiro traz equilíbrio interno e harmonia, mas no
final ela é meramente a expressão externa da harmonia interna.”
Essa mistura de pakṣa e pratipakṣa em todos os oito aspectos (astāṅga yoga) é o yoga verdadeiro.
Para concluir volto ao “O Macaco Nu”. Caso os antigos ṛṣis e yogis estejam corretos, daqui a alguns
milhares de anos, o zoólogo do futuro que estiver atualizando o estudo sobre a
evolução da espécie humana vai acrescer o capítulo IX à lista dos anteriores
(I. Origens; II. Sexo; III. Crescimento; IV. Exploração; V. Agressão; VI.
Alimentação; VII. Conforto; VIII. Animais). Este capítulo final da nossa
evolução, se chamará, certamente, Yoga. E um subtítulo bem apropriado seria: da
transcendência da individualidade à resolução de uma das maiores questões de
nossa existência: o que nós, corporificados como macacos nus, realmente somos?
Sutras citados (segundo tradução de BKS Iyengar em “Light on Yoga Sutras de
Patanjali”)
II.29 yama niyama āsana prāṇāyāma pratyāhāra dhāraṇā dhyāna samādhayaḥ aṣṭau añgāni
Preceitos morais (yama), observâncias (niyama), postura (āsana),
regulação da respiração (prāṇāyāma), internalização
dos sentidos em direção à sua fonte (pratyāhāra), concentração (dhāraṇā), meditação (dhyāna) e absorção da consciência
no Ser (samādhayaḥ) são os oito
constituintes do yoga.
II.30 ahiṁsā satya asteya
brahmacarya aparigrahāḥ yamāḥ
Não violência (ahiṁsā), verdade (satya),
abstenção de roubar (asteya), continência (brahmacarya) e ausência de ganancia
em relação a possuir mais do que se necessita (aparigrahāḥ) são os cinco pilares de yama.
II.32 śauca santoṣa tapaḥ svādhyāya Īśvarapraṇidhānāmi niyamāḥ
Limpeza (śauca), contentamento (santoṣa), fervor (tapaḥ),
estudo do
Ser (svādhyāya) e entrega ao Ser supremo ou Deus (Īśvarapraṇidhānāmi) são os niyamas.
II.33 vitarkabādhane pratipaṣabhāvanam
Os
princípios
que vão contra os yama e niyama devem ser combatidos com o conhecimento da
discriminação.
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