Um pouco de filosofia do yoga e de como nos tornamos melhores pessoas através da pratica
regular de āsana-s e prāṇāyāma-s.
Traduzido
livremente do livro “Mobility in Stability” (Mobilidade na Estabilidade) de
Geeta S. Iyengar
Pergunta de
um aluno: “Gostaríamos de saber sobre os 5 tipos de vairāgya-s.”
Geetaji:
“Não existe cinco tipos de vairāgya
como não existe tipos de yoga. Há apenas um vairāgya
e um yoga. Vairāgya possui duas
palavras – vi e rāga. Vi significa
sem ou ausência e rāga significa
colorido, apego. Não ter cor ou apego significa virāga e de virāga vem a
palavra conceitual vairāgya. Somos
tão apegados ao mundo ao nosso redor que não nos separamos dele. Nós, a todo
momento, nos identificamos com ele. Nossa existência não é separada do mundo. Desistir
do apego e realmente desapegar dele não é tarefa fácil. Nosso envolvimento com
o mundo ao nosso redor é tão grande que a dissociação é impossível. Renúncia do
mundo também não é possível porque estamos inseridos nele. O peixe permanece na
água, ele não pode abandonar a água, pois a morte é certa. Similarmente, não
podemos abandonar esse mundo até que a morte aconteça. No entanto, mesmo depois da
morte os saṁskāra-s são carregados para frente, pra
próxima vida, assim, não há fim a isso.
Mas Patañjali diz que somente com vairāgya
podemos nos dissociar do mundo. Vairāgya
é um processo no qual a pessoa tem que se auto-disciplinar para que o não apego
comece a acontecer e as obsessões sejam erradicadas gradualmente.
A princípio,
quando alguém começa a praticar āsana
e prāṇāyāma esses aspectos devem ser praticados pelo sādhaka (praticante). Para o sādhaka que se engaja nessa empreitada
de fazer āsana e prāṇāyāma, a
dissociação parcial começa.
Veja só, se
você tem que ir a uma aula conduzida por seu professor, você não deixa de lado
todas as outras atividades pra fazer a aula de yoga? Quanto mais você pratica
regularmente, todo dia há um gradual não envolvimento em outras atividades que se
mostram fúteis . Obviamente, o envolvimento na sādhanā (pratica) cresce. Então vem um tempo no qual você não quer
abandonar sua sādhanā. Muitas vezes,
seus hábitos alimentares mudam. A regulação se estabelece por si mesma. Seu
sistema se torna compelido e recusa comer coisas que te atrapalham ou que não
são necessárias. A língua não mais aprecia essas comidas. Como aqueles que não
comiam nada além de carne começam a sentir-se enjoados diante dela? Isso não é
algo surpreendente.
O segundo
ponto é, como a pessoa começa a ter um senso de responsabilidade? Antes de
praticar, a indiferença fazia com que você evitasse a responsabilidade que precisava
ter. Mas depois de disciplinar-se você percebe que não pode e não deve evitar
suas responsabilidades. Esta é a grande mudança.
Quando a
pratica de āsana-s e prāṇāyāma-s se torna intensa, a disciplina de yama e niyama (condutas morais e auto observâncias, primeiros 2 membros do
Aṣṭaṅga Yoga de
Patañjali)*, se estabelece porque a qualidade da mente muda. De fato, sua abordagem
em relação à sādhanā de āsana-s e prāṇāyāma-s deve ser tal que as considerações mentais
permanecem direcionadas a adoção de yama
e niyama. Os princípios de yama e niyama são tamanhos e treinam a mente gradualmente para decidir o
que deve ser abandonado e o que deve ser retido para o maior desenvolvimento na
sādhanā. Nesse sentido, todo o
sistema físico e mental da pessoa começa a mudar. A transformação começa a
acontecer. A adoção de yama e niyama reduz o envolvimento do
praticante com o mundo ao redor. Ele escolhe se envolver quando necessário. A
prática de āsana-s e prāṇāyāma-s faz com que ele desenvolva a
auto-interrogação, o auto-estudo e a auto-observação. Ele vai perdendo
interesse gradualmente pelas questões mundanas desnecessárias e indesejáveis. Não quero dizer que ele rompe
com seus familiares e amigos. Ele não permanece isolado. Não é uma abordagem
negativa. Ao invés disso, ele começa a entender seus próprios hábito faltosos e
suas ações errôneas. Seus sentidos começam a se retirar. O comportamento e o
caráter da pessoa se purificam e refinam.
Os órgãos
de ação e os sentidos de percepção se disciplinam. O sādhaka percebe que toda sua vida pregressa passou engajado em
aproveitar desse mundo que era tão atrativo. Agora ele percebe o quão fútil é
tudo isso. De fato, todos os órgãos de ação e os sentidos de percepção tem seus
próprios objetos de prazer e a respectiva atração que é óbvia. A natureza dos
órgãos e sentidos é pra fora. Por isso, leva algum tempo até que cada um deles
aprendam a se recolher, porque todos os 10 não podem serem controlados de uma
única vez. A mente por trás dos sentidos não é controlada de uma única vez. Novamente,
os objetos de prazer dos sentidos são diferentes. Esse primeiro estágio de
controle é através dos órgãos de ação e dos sentidos de percepção e esse
estágio de vairāgya é chamado de yatamāna saṁjñā vairāgya. Yatamāna significa marchar em direção ao
objetivo, que é vairāgya. É o início
do esforço nessa direção.
Geralmente existe
uma noção errônea que desta forma a pessoa conquistou os dez órgãos de ação e
sentidos de seus objetos de prazer. Se o sādhaka
permanecer tendo essa noção errônea vai ser ludibriado por ela. Portanto sua
obrigação é checar-se constantemente. O desejo pode permanecer encoberto e
portanto desconhecido. Então o praticante deve checar-se. Isso é chamado de vyatireka saṁjñā vairāgya. Vya significa encoberto e atireka
significa excesso ou redundância, isso é, qualquer apego que ainda tenha
permanecido não reduzido tem que ser observado e checado novamente. É um processo
de verificação atenta para se ter certeza de que no nível dos órgãos dos
sentidos e ações nada errado seja feito. Os karmendriya-s
(órgãos de ação) e os jñānendriya-s (sentidos
de percepção) são levados a seguir o caminho do não desejo.
Então vem o
nível de ekendriya. Os karmendriya-s são braços, pernas, órgão
da fala, órgãos genitais e órgãos excretores e os jñānendriya-s são ouvidos, nariz, língua, olhos e pele. Todos eles
tem sua própria maneira de aproveitar os objetos do mundo. Os órgãos de ação se
envolvem nas ações para aproveitar e satisfazer os desejos escondidos; e os
sentidos experimentam e sentem esses desejos para armazená-los no arquivo da
memória. Agora, o que faz eles aproveitarem dos objetos? De onde isso se
origina? É originado de vāsanā — o
desejo profundo. Esse desejo inerente expressa-se através da mente. A mente se
torna primeiramente instrumento e
instiga os órgãos de ação e sentidos de percepção a realizarem os desejos que
existem desde tempos imemoriais, porque vāsanā
é também eterno.
Quando esse
processo de prender inicia a partir dos cinco sentidos e dos cinco órgãos
através de yatamāna e vyatireka, é tempo da mente participar
conscientemente a fim de erradicar esses desejos fracos. A mente deve se tornar
sem desejos e dissociar-se dos objetos de prazer. Isso é chamado de ekendriya saṁjñā vairāgya.
No quarto
estágio, todos os 11 sentidos são subjugados (cinco sentidos, cinco órgãos e mente).
Eles permanecem livres de apegos. Eles não buscam mais o prazer. A pessoa não
sente nenhuma atração em direção a ele. Esse desapego é conhecido como vaśīkāra saṁjñā vairāgya.
A partir
desse ponto, o sādhaka tem que dar um
grande salto e trazer a verdadeira transformação. Os três guṇa-s ou
qualidades, chamadas sattva, rajas e tamas são herdadas no nascimento e
formam nossa própria natureza. A experiência
dos prazeres ao nosso redor, fisicamente ou mentalmente, dependem dos guṇa-s natos do
sādhaka. O sādhaka tem que se livrar dessas tendências natas. Ele precisa
saber que a causa raiz está nas qualidades. Portanto ele precisa progredir em
direção a sattva guṇa conquistando rajas e tamas e finalmente se livrar de todos os
guṇa-s. Essa empreitada para se livrar de todos os
três guṇa-s é chamada de para vairāgya. No entanto, alguém vai além dos triguṇa-s quando a
auto realização acontece.
A conquista
das tendências de ir atrás dos prazeres tem que ser feita desta maneira.
Portanto a fim de se tornar sem desejos, tem de haver mobilidade para ir para a
estabilidade. Estes não os são tipos de vairāgya,
e sim o procedimento para conquistá-los que você como praticante de yoga
precisa lembrar.”
* O Aṣṭaṅga Yoga de
Patañjali é costituído de: yama, niyama, āsana,
prāṇāyāma, pratyāhāra, dhāraṇā, dhyāna e samādhi.