palavras do Guruji

viagens pelo mundo afora e pelo universo dentro de mim


"Você não precisa viajar a um lugar remoto para buscar a liberdade; ela habita seu corpo, seu coração, sua mente, sua Alma. A emancipação iluminada, a liberdade, a pura e imaculada felicidade estão a sua espera, mas você precisa escolher embarcar na jornada interior para descobri-las."
B.K.S. Iyengar em Luz na Vida

15 de junho de 2013

yoga e o fim do apego


Um pouco de filosofia do yoga e de como nos tornamos melhores pessoas através da pratica regular de āsana-s e prāāyāma-s.

Traduzido livremente do livro “Mobility in Stability” (Mobilidade na Estabilidade) de Geeta S. Iyengar

Pergunta de um aluno: “Gostaríamos de saber sobre os 5 tipos de vairāgya-s.”

Geetaji: “Não existe cinco tipos de vairāgya como não existe tipos de yoga. Há apenas um vairāgya e um yoga. Vairāgya possui duas palavras – vi e rāga. Vi significa sem ou ausência e rāga significa colorido, apego. Não ter cor ou apego significa virāga e de virāga vem a palavra conceitual vairāgya. Somos tão apegados ao mundo ao nosso redor que não nos separamos dele. Nós, a todo momento, nos identificamos com ele. Nossa existência não é separada do mundo. Desistir do apego e realmente desapegar dele não é tarefa fácil. Nosso envolvimento com o mundo ao nosso redor é tão grande que a dissociação é impossível. Renúncia do mundo também não é possível porque estamos inseridos nele. O peixe permanece na água, ele não pode abandonar a água, pois a morte é certa. Similarmente, não podemos abandonar esse mundo até que a morte aconteça. No entanto, mesmo depois da morte os saskāra-s são carregados para frente, pra próxima vida, assim, não há fim a isso.

Mas Patañjali diz que somente com vairāgya podemos nos dissociar do mundo. Vairāgya é um processo no qual a pessoa tem que se auto-disciplinar para que o não apego comece a acontecer e as obsessões sejam erradicadas gradualmente.

A princípio, quando alguém começa a praticar āsana e prāāyāma esses aspectos devem ser praticados pelo sādhaka (praticante). Para o sādhaka que se engaja nessa empreitada de fazer āsana e prāāyāma, a dissociação parcial começa.

Veja só, se você tem que ir a uma aula conduzida por seu professor, você não deixa de lado todas as outras atividades pra fazer a aula de yoga? Quanto mais você pratica regularmente, todo dia há um gradual não envolvimento em outras atividades que se mostram fúteis . Obviamente, o envolvimento na sādhanā (pratica) cresce. Então vem um tempo no qual você não quer abandonar sua sādhanā. Muitas vezes, seus hábitos alimentares mudam. A regulação se estabelece por si mesma. Seu sistema se torna compelido e recusa comer coisas que te atrapalham ou que não são necessárias. A língua não mais aprecia essas comidas. Como aqueles que não comiam nada além de carne começam a sentir-se enjoados diante dela? Isso não é algo surpreendente.

O segundo ponto é, como a pessoa começa a ter um senso de responsabilidade? Antes de praticar, a indiferença fazia com que você evitasse a responsabilidade que precisava ter. Mas depois de disciplinar-se você percebe que não pode e não deve evitar suas responsabilidades. Esta é a grande mudança.

Quando a pratica de āsana-s e prāāyāma-s se torna intensa, a disciplina de yama e niyama (condutas morais e auto observâncias, primeiros 2 membros do Aṣṭaga Yoga de Patañjali)*, se estabelece porque a qualidade da mente muda. De fato, sua abordagem  em relação à sādhanā de āsana-s e prāāyāma-s deve ser tal que as considerações mentais permanecem direcionadas a adoção de yama e niyama. Os princípios de yama e niyama são tamanhos e treinam a mente gradualmente para decidir o que deve ser abandonado e o que deve ser retido para o maior desenvolvimento na sādhanā. Nesse sentido, todo o sistema físico e mental da pessoa começa a mudar. A transformação começa a acontecer. A adoção de yama e niyama reduz o envolvimento do praticante com o mundo ao redor. Ele escolhe se envolver quando necessário. A prática de āsana-s e prāāyāma-s faz com que ele desenvolva a auto-interrogação, o auto-estudo e a auto-observação. Ele vai perdendo interesse gradualmente pelas questões mundanas  desnecessárias e indesejáveis. Não quero dizer que ele rompe com seus familiares e amigos. Ele não permanece isolado. Não é uma abordagem negativa. Ao invés disso, ele começa a entender seus próprios hábito faltosos e suas ações errôneas. Seus sentidos começam a se retirar. O comportamento e o caráter da pessoa se purificam e refinam.

Os órgãos de ação e os sentidos de percepção se disciplinam. O sādhaka percebe que toda sua vida pregressa passou engajado em aproveitar desse mundo que era tão atrativo. Agora ele percebe o quão fútil é tudo isso. De fato, todos os órgãos de ação e os sentidos de percepção tem seus próprios objetos de prazer e a respectiva atração que é óbvia. A natureza dos órgãos e sentidos é pra fora. Por isso, leva algum tempo até que cada um deles aprendam a se recolher, porque todos os 10 não podem serem controlados de uma única vez. A mente por trás dos sentidos não é controlada de uma única vez. Novamente, os objetos de prazer dos sentidos são diferentes. Esse primeiro estágio de controle é através dos órgãos de ação e dos sentidos de percepção e esse estágio de vairāgya é chamado de yatamāna sajñā vairāgya. Yatamāna significa marchar em direção ao objetivo, que é vairāgya. É o início do esforço nessa direção.

Geralmente existe uma noção errônea que desta forma a pessoa conquistou os dez órgãos de ação e sentidos de seus objetos de prazer. Se o sādhaka permanecer tendo essa noção errônea vai ser ludibriado por ela. Portanto sua obrigação é checar-se constantemente. O desejo pode permanecer encoberto e portanto desconhecido. Então o praticante deve checar-se. Isso é chamado de vyatireka sajñā vairāgya. Vya significa encoberto e atireka significa excesso ou redundância, isso é, qualquer apego que ainda tenha permanecido não reduzido tem que ser observado e checado novamente. É um processo de verificação atenta para se ter certeza de que no nível dos órgãos dos sentidos e ações nada errado seja feito. Os karmendriya-s (órgãos de ação) e os jñānendriya-s (sentidos de percepção) são levados a seguir o caminho do não desejo.

Então vem o nível de ekendriya. Os karmendriya-s são braços, pernas, órgão da fala, órgãos genitais e órgãos excretores e os jñānendriya-s são ouvidos, nariz, língua, olhos e pele. Todos eles tem sua própria maneira de aproveitar os objetos do mundo. Os órgãos de ação se envolvem nas ações para aproveitar e satisfazer os desejos escondidos; e os sentidos experimentam e sentem esses desejos para armazená-los no arquivo da memória. Agora, o que faz eles aproveitarem dos objetos? De onde isso se origina? É originado de vāsanā — o desejo profundo. Esse desejo inerente expressa-se através da mente. A mente se torna primeiramente  instrumento e instiga os órgãos de ação e sentidos de percepção a realizarem os desejos que existem desde tempos imemoriais, porque vāsanā é também eterno.

Quando esse processo de prender inicia a partir dos cinco sentidos e dos cinco órgãos através de yatamāna e vyatireka, é tempo da mente participar conscientemente a fim de erradicar esses desejos fracos. A mente deve se tornar sem desejos e dissociar-se dos objetos de prazer. Isso é chamado de ekendriya sajñā vairāgya.

No quarto estágio, todos os 11 sentidos são subjugados (cinco sentidos, cinco órgãos e mente). Eles permanecem livres de apegos. Eles não buscam mais o prazer. A pessoa não sente nenhuma atração em direção a ele. Esse desapego é conhecido como vaśīkāra sajñā vairāgya.

A partir desse ponto, o sādhaka tem que dar um grande salto e trazer a verdadeira transformação. Os três gua-s ou qualidades, chamadas sattva, rajas e tamas são herdadas no nascimento e formam nossa própria natureza. A experiência dos prazeres ao nosso redor, fisicamente ou mentalmente, dependem dos gua-s natos do sādhaka. O sādhaka tem que se livrar dessas tendências natas. Ele precisa saber que a causa raiz está nas qualidades. Portanto ele precisa progredir em direção a sattva gua conquistando rajas e tamas e finalmente se livrar de todos os gua-s. Essa empreitada para se livrar de todos os três gua-s é chamada de para vairāgya. No entanto, alguém vai além dos trigua-s quando a auto realização acontece.

A conquista das tendências de ir atrás dos prazeres tem que ser feita desta maneira. Portanto a fim de se tornar sem desejos, tem de haver mobilidade para ir para a estabilidade. Estes não os são tipos de vairāgya, e sim o procedimento para conquistá-los que você como praticante de yoga precisa lembrar.”

* O Aṣṭaga Yoga de Patañjali é costituído de: yama, niyama, āsana, prāāyāma, pratyāhāra, dhāraā, dhyāna e samādhi.

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